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Ozarfaxinars

e-revista  ISSN 1645-9180

Direção: Jorge Lima   Edição e Coordenação: Fátima Pais

 

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Maio 2022

 

Liderança em Contexto Educativo no Ensino Público Português

Maria de Lurdes Neves

 

Partindo de extratos de um artigo publicado na revista E-Psi da Doutora Maria de Lurdes Neves, em coautoria com Professor Joaquim Luís Coimbra, Professor Associado da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, divulgamos neste número uma obra da Doutora Maria de Lurdes Neves, formadora do CFAE_Matosinhos, que se destaca pela atualidade e oportunidade, enquadrando-se de forma relevante nos ventos de mudança que animam a atual conjuntura do sistema educativo.

  

 

Maria de Lurdes Gomes Neves, Investigadora e Professora Convidada no ISG (Grupo Lusófona)

(Consultar nota curricular na íntegra)

 

     

 

Introdução

       

O sistema de ensino público tem sido, tradicionalmente, caracterizado por mecanismos de gestão fortemente centralizados. Todavia, os diretores escolares e professores têm testemunhado e vivenciado uma mudança que reporta a uma autonomia imposta, agregando em si a exigência de uma maior flexibilidade na abordagem ao currículo escolar facultado pelas escolas. Neste sentido, estas deixaram de ser percebidas como ‘agências de prestação de currículo’ para se assumirem e desenvolverem enquanto ‘centros educacionais’ (Estrela, 2001).

   

O papel profissional do professor, por sua vez, constitui um conceito socialmente construído (Helsby, 1995), marcado pela ambiguidade e complexidade do sistema de ensino público e influenciado pelo contexto histórico, cultural e político em que está inserido (Korthagen, 2001; Sergiovanni, 2004). Deste modo, tecer uma compreensão sobre o seu significado implica atender ao facto de se tratar de um conceito em permanente construção (Gimeno, 1995) com a possibilidade de análises e interpretações diferenciadas, fundamentadas por diferentes esforços institucionais, profissionais e políticos (Hargreaves, 2000; Helsby, 2000).

   

O exercício da profissão de professor tem sido profundamente afetado, ao longo dos anos, pela intensificação da burocratização dos procedimentos e processos de trabalho, pela maior responsabilização incutida por parte dos diversos atores e partes interessadas do sistema educativo e até mesmo pelo escrutínio público (Day, 1999; Estrela, 2001; Helsby, 2000). Efetivamente, os professores, para além da componente letiva, têm vindo a ser avaliados pelas suas opções e pelos resultados dos seus alunos, sendo-lhes frequentemente solicitados relatórios, justificações e fundamentações, a que eram completamente alheios no passado, e geradores de desconfiança. O poder crescente da pressão dos pais e a publicação dos rankings escolares tem promovido igualmente junto dos docentes alguma tensão. Em conjunto, estes fatores de mudança têm vindo, inevitavelmente, a contribuir para um decréscimo da motivação dos professores, da identificação com a profissão e do comprometimento face às suas escolas, bem como para a sua, cada vez mais generalizada, insatisfação no trabalho.

 

Neste contexto, o líder (i.e., o diretor escolar) tem um papel particularmente importante na medida em que pode articular, incentivar e mobilizar os seus seguidores – professores, técnicos especializados e auxiliares de ação educativa – para a concretização dos objetivos que se prendem com a construção de uma educação de qualidade, a melhoria das competências adquiridas e dos resultados escolares obtidos pelos alunos.

 

  oAo longo dos últimos anos, o tema da liderança nas instituições educativas tem sido abordado como uma das variáveis chave para o desenvolvimento dos professores e das escolas (Timperley, 2005). Destacam-se diversos trabalhos ao nível da evolução histórica da temática como o de Bush (2011), Bass (2008) ou Yukl, Mahsud, Hassan & Prussia (2011), o de Blackmore (2004) na Austrália, o estudo comparativo entre Portugal e Inglaterra de Day, Flores e Viana (2007), a meta-análise sobre liderança educacional em Portugal de Costa, Figueiredo e Castanheira (2013), a revisão sistemática da literatura de Castanheira e Costa (2011), Liberman e Miller (2004) e Jacobs, Gordon e Solis (2016) nos EUA, Frost (2012), Frost e Durrant (2003) e Muijs e Harris (2006) no Reino Unido e de Polon (2011) no Brasil.

 

Já atendendo à perspetiva de Deci e Ryan (1985) sobre a motivação e os princípios que circunscrevem a teoria da autodeterminação, as lideranças escolares assumem particular relevância na promoção de contextos com baixo nível de controlo que estimulem a autonomia, onde cada indivíduo possa enveredar por escolhas próprias, bem como internalizar e integrar normas e valores (e.g., Brown & Ryan, 2003; Deci & Ryan, 1985; Reeve, 2006a, 2006b). No âmbito deste domínio conceptual, enfatizam-se, como ferramentas predominantes, a necessidade do desenvolvimento de um sentido de responsabilidade (para as atividades a realizar ou desafios a enfrentar) e a criação de possibilidades e oportunidades para participar nas tomadas de decisão; neste caso, a compreensão de eventuais situações negativas ou mesmo de tarefas com um nível de dificuldade mais elevada são potenciadoras da emergência de emoções negativas. Ou seja, os líderes escolares têm a responsabilidade de potenciar a criação de climas organizacionais que promovam a satisfação das necessidades de autonomia e de relacionamento dos professores (Winter & Sweeney, 1994). Caso isto não se verifique, poderá haver da parte do corpo docente uma falta de envolvimento e de motivação para a participação na vida da escola, por se sentir excluído das tomadas de decisão.

 

Os estilos de liderança podem, assim, contribuir positivamente para o comprometimento afetivo do professor com a escola (e.g., Bogler, 2001; Bogler & Somech, 2004; Nguni, Sleegers, & Denessen, 2006), em particular, através do apoio fornecido aos professores e do desenvolvimento de um clima de escola positivo (e.g., Day, 2008; Day et al., 2007; Stronge & Jones, 1991; Whitaker, 2000; Winter & Sweeney, 1994). Para além da liderança dos diretores das escolas, outros fatores têm vindo a ser apontados como catalisadores ou inibidores do comprometimento dos professores (Clugston, 2000) como, por exemplo, os relativos às políticas nacionais de educação, ao apoio administrativo, ao comportamento dos alunos e às exigências dos pais (Costa, Figueiredo e Castanheira, 2013; Bush, 2011; Bass, 2008; Day, 2000; Louis, 1998; Tsui & Cheng, 1999).

 

Em suma, no que concerne à relação entre o clima organizacional, liderança educacional e comprometimento dos professores, considera-se de particular relevância, para o presente estudo, que os líderes escolares tenham a possibilidade de potenciar a criação de climas organizacionais que promovam a satisfação das necessidades de autonomia e de relacionamento dos professores. Através desta via, os líderes escolares podem contribuir para o aumento da motivação intrínseca dos professores, da promoção de uma plena internalização da motivação extrínseca, bem como para o comprometimento afetivo com a escola.

 

Finalmente, os líderes escolares podem contribuir para a satisfação no trabalho e bem-estar psicológico percebido pelos professores, e com isso trazer consequentes atitudes positivas face ao trabalho (Bono & Judge, 2003; Brown & Ryan, 2003; Gagné & Deci, 2005) por parte dos professores na escola.

 

A liderança e a ética em contexto educativo

 

Quando a missão institucional se circunscreve à educação, formação e desenvolvimento de crianças e jovens (os adultos de amanhã), o exercício de uma liderança, não só transformacional como também ética e moral, assume uma relevância mais significativa, com efeitos evidentes na sociedade em geral. De referir, neste sentido, que a dimensão ética e moral da atividade organizacional se tornou, há mais de uma década até à atualidade, numa das principais preocupações de gestores, políticos e investigadores, devido às suas consequências nas relações e em toda a atividade organizacional (Robertson, Crittenden, Brady, & Hoffman, 2002; Brown & Treviño, 2006; Brown et al., 2005; Yukl, Mahsud, Hassan & Prussia, 2011), particularmente quando estas se reportam ao contexto educativo, tendo em conta a responsabilidade destas instituições na sociedade. Por conseguinte, os efeitos da conduta ética e moral das instituições e dos seus líderes representantes nas relações interpessoais com os professores são determinantes para a saúde e bem-estar psicossocial de todos os intervenientes do processo educativo. Atualmente, os gestores e investigadores têm centrado a sua atenção na obtenção de resultados no que toca à diminuição de taxas de abandono e melhoria do sucesso educativo, particularmente na promoção de medidas que potenciem os resultados académicos e a melhoria das notas da avaliação externa dos alunos. Verifica-se ainda que existe uma grande pressão da tutela para a diminuição da diferença entre as classificações da avaliação interna e externa dos alunos, pelo que a liderança deverá definir orientações estratégicas que propiciem estes resultados. Na liderança em contexto educativo destacam-se particularmente os seguintes desafios: o isolamento, o individualismo, a mudança das relações entre a direção e os outros professores, a gestão da ambiguidade e a adoção dos princípios éticos na conduta, o tempo insuficiente para a colaboração, a relação inadequada entre professores, a falta de incentivos, bem como adaptação a estratégias de controlo e de comprometimento com o contexto educativo (Iorque-Barr & Duke, 2004).

 

O modelo de liderança mais desenvolvido nas escolas tem sido o modelo de liderança transformacional (Leithwood, 1994; Nguni et al., 2006) que conceptualiza a liderança em sete dimensões: 1. Construir uma visão para a escola; 2. Estabelecer objetivos para a escola; 3. Estimular intelectualmente; 4. Oferecer apoio individual; 5. Modelar boas práticas e valores organizacionais importantes; 6. Demonstrar altas expectativas de performance, criando uma cultura escolar produtiva; e 7. Desenvolver estruturas que facilitem a participação em decisões da escola. Nesta perspetiva, os líderes transformacionais podem produzir a mudança organizacional e contribuir para a satisfação e desempenho no trabalho a nível individual, de grupo e do contexto educativo (Bogler, 2001; Fuller, Patterson, Hester & Stringer, 1996; Lowe, Kroeck & Sivasubramanian, 1996). Tanto ao nível dos professores, individualmente, como da classe docente e da escola, enquanto estrutura organizacional, devem ser estimulados níveis mais elevados de motivação intrínseca, confiança organizacional e comprometimento (Leithwood, 1994).

 

A análise dos modos como os líderes são percecionados, avaliados e representados é uma questão central no estudo da liderança em contexto organizacional, e, em particular, no contexto educativo. Estas perceções, juízos e representações construídas sobre os líderes e a liderança podem ser afetadas por diversas variáveis, como a faixa etária e a formação e por outras condicionantes, como o tempo de antiguidade na profissão (Barreto, 2009; Gonçalves, 2008).

 

Alguns autores (e.g., Rego & Braga, 2014) defendem o modelo da liderança transformacional por integrarem os conceitos dos valores e da ética na liderança. Deste modo, apesar dos efeitos positivos advindos de uma liderança transformacional, deve ser tido em conta o princípio de que a avaliação ética e moral da liderança não pode encerrar-se na análise das consequências da liderança em si mesma. É assim necessário diferenciar o caráter moral do líder bem como a legitimidade ética dos valores embebidos na visão e na respetiva articulação com a moralidade dos processos de escolha e ação que líderes e liderados abraçam e prosseguem.

 

Têm emergido, assim, conceptualizações da liderança com o objetivo de estreitar o foco nas questões éticas e morais, procurando fundamentar e desenvolver conceptual e operacionalmente o constructo da liderança ética e moral e de compreender o impacto da dimensão ética e moral da liderança (Brown & Treviño, 2006; Brown, Treviño & Harrison, 2005; Brown et al., 2005; Yukl, Mahsud, Hassan & Prussia, 2011).

 

No que diz respeito às questões éticas e moral da liderança, Bass e Steidlmeier (1999) reconhecem que a dimensão ética da liderança transformacional é em si moralmente neutra, ou seja, sem diferenciação dos valores morais subjacentes ao seu comportamento. No limite, dois líderes podem adotar comportamentos transformacionais idênticos e suscitar até consequências semelhantes. Todavia, são os valores subjacentes que permitem identificar as dimensões ética e moral do seu comportamento.

 

Howell e Avolio (1992) acrescentam que os líderes transformacionais podem atuar tanto de forma ética como antiética, dependendo dos valores que incorporem na sua visão e orientação estratégica. Para conferir maior valorização à dimensão ética na liderança e se promover a compreensão do impacto dos líderes éticos sobre os seus seguidores, surge o conceito de liderança ética e os modelos associados a este constructo (Brown & Treviño, 2006; Brown et al., 2005).

 

Nesta perspetiva, a liderança ética define-se como a “demonstração de conduta normativamente adequada a realizar através de ações pessoais e relações interpessoais, e a promoção da tal conduta aos seus seguidores através de uma comunicação de duas vias, reforço e tomada de decisão” (Brown et al., 2005, p. 120). A liderança ética é um constructo que pode ser medido através de quatro dimensões: moralidade e justiça, partilha de poder, esclarecimento do papel e liderança despótica (De Hoogh & Den Hartog, 2008). Nesta abordagem multidimensional da liderança ética, assiste-se a uma relação antagónica entre as noções de liderança ética e liderança despótica. A liderança ética reflete os comportamentos que vão ao encontro dos interesses dos seguidores e a liderança despótica, pelo contrário, reflete o comportamento autoritário, que serve o interesse do próprio líder. Assim, constituem-se como constructos independentes, correlacionados negativamente e medidos pelas dimensões referidas: moralidade e justiça, partilha de poder, esclarecimento do papel e liderança despótica (De Hoogh & Den Hartog, 2008).

 

A motivação em contexto educativo

 

A motivação no trabalho é definida como “um conjunto de forças energéticas que se originam tanto dentro como fora do indivíduo, para iniciar o comportamento relacionado com o trabalho e para determinar a sua forma, direção, intensidade e duração” (Latham & Pinder 2005, p.486).

 

Destacando-se a Teoria da Autodeterminação (TAD; Deci & Ryan, 2008) que propõe uma visão multidimensional sobre a motivação e distingue como os diferentes tipos de motivação podem ser promovidos ou desencorajados. Nesta perspetiva, são três os tipos de motivação possíveis: a amotivação, a motivação intrínseca e a motivação extrínseca. A amotivação define-se como a ausência de motivação para uma atividade (Ryan & Deci, 2000). Já a motivação intrínseca é a capacidade de fazer uma atividade por si mesma, isto é, porque é interessante e agradável. Em contrapartida, a motivação extrínseca refere-se ao comprometimento com atividades por razões instrumentais (receber recompensas, ser aprovado, evitar as punições e/ou desaprovação, aumentar a autoestima ou chegar a um objetivo pessoalmente valorizado).

 

Uma primeira forma de motivação extrínseca, que não é completamente internalizada, é a regulação externa que perspetiva a realização de uma atividade para a obtenção de recompensas. Já a regulação introjetada define-se como a regulação do comportamento através da pressão interna de forças do ego, nomeadamente da vergonha e da culpa e que se designa como o ego-envolvimento. Esta forma de internalização é experienciada como controlo interno (Ryan & Connell, 1989). Finalmente, a regulação identificada pressupõe que a realização de uma atividade seja feita porque se identifica de forma volátil com o seu valor ou significado, que é aceite como próprio. A regulação identificada difere da motivação intrínseca nas atividades em que não é realizada por satisfação interna, mas pelo valor instrumental que representa. Em contraste, a motivação controlada internamente tem sido a explicação para a maioria dos resultados desejáveis ao nível comportamental, atitudinal e afetivo (Deci & Ryan, 2008).

 

Na perspetiva da Teoria da Autodeterminação (Decy & Ryan, 2008) enfatiza-se que as lideranças escolares devem promover contextos que estimulem a autonomia, nos quais as pessoas podem exercer as suas próprias escolhas, e internalizar/integrar normas - baixo nível de controlo (e.g., Brown & Ryan, 2003; Deci & Ryan, 1985; Reeve, 2006a, 2006b). Desta forma, surge a possibilidade de participar nas decisões e promover a compreensão perante eventuais sentimentos negativos, quando é necessário realizar uma tarefa difícil, assim como o desenvolvimento de um sentido para as atividades a realizar.

 

A liderança em contexto educativo pode constituir, assim, um agente de motivação (Gordon & Solis, 2016; Frost, 2012; Polon, 2011) e um reforço da motivação intrínseca para que os professores se motivem, implicando que o diretor seja acessível, justo e firme com pais e alunos (Deci & Ryan, 2008). Os diretores poderão ainda constituir-se como agentes essenciais no desenvolvimento de apoio e motivação dos professores, justiça e confiança, bem como ter a preocupação com o seu crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional (Deci & Ryan, 2008; Bono & Judge, 2003; Brown & Ryan, 2003; Gagné & Deci, 2005; Lortie & Clement, 1975; Winter & Sweeney, 1994; Jacobs, Gordon & Solis, 2016; Frost, 2012; Polon, 2011).

 

Comprometimento dos Professores (CO)

 

O conceito de comprometimento foi caracterizado como uma forte crença na aceitação de metas e valores, a vontade de exercer esforços consideráveis em nome da organização e um forte desejo de manter a participação na mesma (Mowday, Porter & Steers, 1982; Wykes, 1998; Gomes, 2009). O comprometimento organizacional tem sido estudado tanto como uma variável de contexto (Bogler & Somech, 2004) como uma variável mediadora da liderança (Bono & Judge, 2003; Brown & Ryan, 2003; Gagné & Deci, 2005) e tem sido identificado como um dos fatores mais importantes para o sucesso da educação (Day, 2005; Huberman, 1997; Nias, 1981).

 

            O comprometimento organizacional tem sido definido como um preditor do desempenho dos professores na escola (Howell & Dorfman, 1986; Rosenholtz, 1991; Bono & Judge, 2003; Brown & Ryan, 2003; Gagné & Deci, 2005), contribuindo para a prevenção do burnout do professor (Day, 2005). O comprometimento organizacional dos professores assume ainda uma importante influência sobre os resultados cognitivos sociais, comportamentais e afetivos dos alunos (Bogler & Somech, 2004; Day, 2005; Firestone, 1996; Louis, 1998). O comprometimento constitui-se como uma parte da vida profissional do professor (Elliott & Crosswell, 2001), podendo ser aumentado ou diminuído por fatores, que já foram anteriormente referidos, como a liderança dos diretores, o comportamento dos alunos, o apoio administrativo, as exigências dos pais bem como das políticas nacionais de educação (Day, 2000; Louis, 1998; Riehl & Sipple, 1996; Tsui & Cheng, 1999). Os professores que estão comprometidos têm a crença duradoura de que eles podem fazer a diferença no percurso de vida e de aprendizagem dos alunos (eficácia e eficiência) através de quem eles são (a sua identidade), do que eles sabem (conhecimentos, estratégias, habilidades) e de como eles ensinam (ou seja, as suas crenças, atitudes, valores pessoais e profissionais incorporados nos seus comportamentos) (Bono & Judge, 2003; Brown & Ryan, 2003; Gagné & Deci, 2005). Ebmeier e Nicklaus (1999) relacionam os conceitos de comprometimento e emoção, distinguindo a parte da reação afetiva ou emocional de um professor à sua experiência num ambiente escolar de uma outra parte do processo, que determina o nível de investimento pessoal que os professores fazem numa determinada escola ou grupo de alunos. Esta conexão entre a experiência emocional e o investimento emocional torna-se fundamental para compreender as perceções de seu trabalho, dos colegas e liderança escolar, assim como a interação entre estes e as suas vidas pessoais (Crosswell, 2006). Segundo este autor, existem seis dimensões de comprometimento que são preditores do desempenho dos professores na escola: 1) comprometimento como paixão; 2) comprometimento como investimento de tempo extra; 3) comprometimento como um foco no bem-estar e realização do aluno; 4) comprometimento como a responsabilidade de manter o comprometimento; 5) comprometimento como uma forma de transmissão de conhecimento e/ou valores; e 6) comprometimento como o envolvimento com a comunidade escolar.

 

No modelo do comprometimento como fator de eficácia do desempenho dos professores (Bryk & Driscoll, 1988; Meyer & Allen, 1991) concetualiza-se o comprometimento organizacional (CO) como estando dividido em três componentes que podem coexistir entre si: afetivo, normativo e de calculativo (continuidade). O comprometimento organizacional afetivo pode ser definido como a identificação emocional com a organização; já o normativo é a obrigação percebida (ética ou moral) de permanecer na organização; finalmente, o calculativo é definido como o custo percecionado de deixar a organização (como perda de antiguidade ou de salários mais baixos).

 

O CO tem sido referido como tendo um efeito mediador em variáveis como a satisfação, o clima organizacional e a motivação laboral (Choi, Tran & Park, 2015; Demirtas & Akdigan, 2015; Kim, 2014; Lyndon & Rawat, 2015; Mahmoud, 2008).

 

Em suma, a melhoria da perceção do nível de capacitação professores, isto é, a forma como os professores se sentem capazes para responder aos desafios que a escola lhes coloca, contribui para os sentimentos de comprometimento com a escola por parte do professor e para o seu comprometimento perante os alunos (Bogler & Somech, 2004).

  

Os líderes escolares têm, portanto, a responsabilidade de promover climas organizacionais que facilitem a satisfação das necessidades de autonomia e de relacionamento dos professores. Desta forma, poderão potenciar a motivação dos professores, o seu comprometimento para com a escola, um desempenho eficaz, a satisfação e as atitudes positivas face ao trabalho e o bem-estar psicológico (e.g., Bono & Judge, 2003; Brown & Ryan, 2003; Gagné & Deci, 2005).

 

Autora: Professora Maria de Lurdes Neves Investigadora e professora convidada no ISG (Grupo Lusófona) .

Co-autor Professor Joaquim Luís Coimbra, Professor Associado da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

 

        

  

Neves, M.L.G. (2020) Liderança em contexto educativo em Portugal: o presente, o futuro e o impacto nos professores.

 Ed. Lisbonpress Editora, Lisboa.

 

P r e f á c i o

(do Professor Doutor David Justino, Universidade Nova de Lisboa)

 

Nas duas últimas décadas Portugal concretizou um conjunto de mudanças no sistema de ensino cujos resultados são inegáveis: redução, sem paralelo no quadro europeu, do abandono escolar e do insucesso expresso através das taxas de retenção; aproximação tendencial dos resultados nos testes internacionais à média da OCDE, mais pronunciada na primeira década que na segunda; aumento da escolarização média dos jovens e da escolaridade obrigatória; aumento significativo dos alunos que frequentam e concluem cursos de ensino superior. Os números e as tendências são ineludíveis.

 

A investigação científica não se alheou deste desenvolvimento e não faltam contributos para se compreender e explicar os fatores que influenciaram de forma mais decisiva esse processo de mudança. Como seria de esperar, são múltiplas as causas: a escolarização média dos pais aumentou, os contextos sociais ajustaram-se, a frequência do pré-escolar expandiu-se e os professores e educadores são mais qualificados. Porém, foi identificado um fator a que não tem sido dada a devida atenção: as escolas maioritariamente frequentadas por alunos de estratos sociais mais modestos tiveram melhor desempenho, pelo menos até 2015. Foram essas escolas que mais progrediram nestas quase duas décadas de testes internacionais.

 

O que o presente trabalho de Maria de Lurdes Neves pretende avaliar é o papel dos diretores e das suas lideranças nesse processo de mudança. A problemática faz todo o sentido no contexto de uma das reformas educativas mais polémicas: a alteração de um modelo de liderança colegial para um outro de liderança unipessoal, aumentando a centralidade que o Diretor assumiu.

 

Esta investigação não pretendeu explicar os efeitos da mudança que o novo modelo de liderança, centrada na figura do Diretor, desencadeou, tão só tipificar essas lideranças através das diferentes dimensões e perfis que as caracterizam. Focou-se, para o efeito, nas perceções e nas práticas que uma amostra representativa de professores expressou através de um questionário. As conclusões representam outras tantas hipóteses de trabalho futuro. De certa forma, Maria de Lurdes Neves não conclui. Apresenta um balanço da investigação e de forma muito honesta relança os problemas e as hipóteses de partida para futuras pesquisas.

 

O contributo deste prefácio será, antes de mais, o reconhecimento da qualidade do trabalho realizado e o quanto ele representa um passo em frente na investigação sobre o papel das lideranças organizacionais nas escolas. Porém, não gostaria de me circunscrever ao elogio fácil da obra feita. A autora decerto não enjeitará algumas pistas para trabalho futuro e eu não me conterei na sua explicitação, para eventual aborrecimento do leitor. Prometo que serei sintético.

A primeira pista centra-se no próprio conceito de liderança. A autora explora o conceito de liderança unipessoal como primeira abordagem (…)

A liderança traduz-se sempre na capacidade de mobilizar os diferentes atores para a concretização da missão da escola, para a prossecução de objetivos eventualmente expressos sobre a forma de metas construídas e assumidas pela comunidade escolar, pela capacidade de criar e dar sustentabilidade à criação de bons ambientes de aprendizagem, de bem-estar e de comprometimento que se traduzam em bons resultados escolares.

 

A segunda pista parte da hipótese que os sistemas de liderança não são dissociáveis da cultura escolar e da cultura de cada escola. Neste trabalho são identificáveis algumas das expressões da cultura escolar dominante, especialmente entre os professores, que contestam os agrupamentos, os rankings e o próprio modelo de liderança unipessoal centrada no Diretor. São estereótipos de uma matriz cultural e profissional que impregnam conceções de uma escola mítica e utópica perdida no passado. Há uma cultura escolar que tende a limitar a construção de identidades organizacionais específicas, o mesmo é dizer, de culturas de escola, diferenciadas e diversificadas. Por isso, os sistemas de liderança poderão ser mais limitados e menos autónomos, cingindo-se a ser meras peças dos mecanismos de regulação burocrática característicos do sistema de ensino português.

 

Neste contexto, a importância da dimensão ética e moral nas organizações escolares acaba por ganhar especial relevo enquanto referência de refúgio de uma cultura escolar pouco estimulante e muito conservadora.

 

Estas e outras pistas poderão conduzir, afinal, ao esclarecimento do problema central: em que é que a alteração do modelo de gestão que consagrou as lideranças unipessoais contribuiu para a qualificação do desempenho escolar e para concretização da missão e da função social da escola em Portugal.

 

Faço votos que este meu prefácio possa ter a utilidade de incentivar e abrir portas para futuras e estimulantes investigações sobre a escola que temos e, não menos importante, a escola que ambicionamos ter. Dado este primeiro passo, que outros firmes e profícuos se sucedam.

                        

   

    Referências bibliográficas

 

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Nota curricular da autora

 

Maria de Lurdes Gomes Neves

Investigadora e Coordenadora Científica da Pós-Graduação em Gestão Escolar do Instituto Superior de Gestão (ISG)- Universidade Lusófona. Presidente do Conselho Geral ISG. Realizou o Doutoramento em Psicologia, com especialização em Psicologia da Educação. Áreas de Especialização em Psicologia da Educação, Psicologia das Organizações, Orientação Vocacional e do Desenvolvimento da Carreira e Coaching Psicológico.

Foi Coordenadora de Gabinetes de Apoio ao Docente em Agrupamentos de Escolas. Especialista em formação nas áreas de Liderança, Avaliação de Desempenho, Gestão de Trabalho em Equipa, Gestão de Conflitos, Formação Pedagógica Inicial e Contínua de Formadores, Diagnóstico, Conceção, Avaliação e Gestão da Formação, Motivação, Liderança de Equipas e Coaching com públicos diversificados do setor público e privado.

Consultora especializada em Agrupamentos de Escola, Gestão de Recursos Humanos, Projetos de Liderança Educativa, seleção e recrutamento para o desenvolvimento da liderança estratégica, implementação do projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular, coaching educativo e diferenciação pedagógica em sala de aula. Foi Investigadora no Centro de Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Autora de escalas de perceção de liderança e motivação no trabalho adaptadas a Portugal; Diversas comunicações e publicações nacionais e internacionais na área da liderança, coaching, mudança organizacional, educação e formação profissional.

   

  

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