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Ozarfaxinars
e-revista ISSN 1645-9180
Direção: Jorge Lima Edição e Coordenação: Fátima Pais
___91___
Maio 2020
Por um novo paradigma de Educação Digital ONLIFE
António Moreira
(Universidade Aberta, UAb- Portugal)
Eliane Schlemmer
(Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS - Brasil)
Como sabemos, a
evolução das tecnologias e das redes de comunicação propiciaram o surgimento de
uma sociedade reticular marcada por mudanças acentuadas na economia e no mercado
de trabalho, impulsionando o nascimento de novos paradigmas, modelos, processos
de comunicação educacional e novos cenários de ensino e de aprendizagem.
A adoção de
ambientes online no campo da educação e da formação tem dado provas do seu
potencial, e por isso não é uma utopia considerar a Educação Digital, mediada,
ampliada e enriquecida pelo digital, como uma oportunidade de inovação, de
integração, inclusão, flexibilização, abertura, personalização de percursos de
aprendizagem, mas esta realidade exige uma mudança de paradigma. Uma mudança que
tem sido difícil de implementar e que agora, com a declaração de pandemia do
novo coronavírus, designado de Sars-Cov-2, pela Organização Mundial da Saúde
(OMS), está a acontecer, devido às restrições impostas a nível dos contactos
físicos nos territórios geográficos entre as comunidades educativas.
Mas afinal, a que nos referimos quando falamos em Educação Digital?
É possível em tempos atuais falar de uma Educação que não inclua as Tecnologias Digitais (TD) e as redes de comunicação?
A Educação
Digital não se resume ao uso de
hardwares, softwares e
redes de comunicação na educação, nem tão pouco se restringe ao desenvolvimento
do pensamento computacional. A Educação Digital é sim, compreendida como um
movimento entre atores humanos e não humanos que coexistem e estão em
comunicação direta, não mediada pela representação, em que nada se passa com um
que não afete o outro. Na perspetiva do humano, resulta em apropriação, no
sentido de atribuição de significado e o desenvolvimento de competências
específicas, vinculadas aos processos de ensinar e de aprender em contexto de
transformação digital.
Nesse contexto,
podemos pensar num continuum da Educação Digital que compreende desde processos
de ensino e aprendizagem enriquecidos por TD e/ou redes de comunicação, até o
desenvolvimento de uma educação totalmente online e digital, tendo variabilidade
na intensidade tanto de TD, quanto de redes de comunicação.
Com efeito, a
pandemia está a gerar a obrigatoriedade, e, simultaneamente, a oportunidade dos
professores e estudantes emergirem nesta Educação Digital, especialmente, nos
cenários e realidades dos ambientes digitais de ensino e aprendizagem síncronos
e assíncronos. Mas o que parece estar a acontecer, neste momento de emergência,
é a transferência e a transposição das metodologias e práticas pedagógicas
presenciais físicas para os ambientes digitais online. Professores do Ensino
Básico, Secundário e Superior sem preparação para a docência digital, em rede,
que se estão a transformar em youtubers gravando vídeo aulas, usando sistemas de
videoconferência, como o Skype, o Google Hangout ou a plataforma Colibri,
e sistemas de gestão de aprendizagem
(LMS), como o Moodle ou o Edmodo, como bibliotecas ou repositórios digitais, e
que pensam ter descoberto o admirável mundo das tecnologias “ditas” educativas e
da "suposta" modalidade de Ensino à Distância. Utilizam-se, na maioria dos
casos, estas ferramentas numa perspetiva meramente instrumental, reduzindo as
metodologias e as práticas a um ensino e pedagogia magistral, transferem-se os
ambientes e multiplicam-se os comentários nas redes sociais com afirmações
recorrentes acerca do fácil que é ser professor de "Ensino à Distância". E se
esta conceção vingar a oportunidade ter-se-á perdido e a imagem que se
construirá desta tecnologia (num sentido amplo) reduzir-se-á à ideia de
instrumento ou ferramenta.
Na realidade, mais do que esta visão redutora da tecnologia, é necessário mudar de paradigma, para o paradigma do Onlife, termo que teve origem no projeto Iniciativa Onlife, lançado pela Comissão Europeia, que se preocupou, essencialmente, em compreender o que significa ser humano numa realidade hiperconectada. No The Onlife Manifesto (FIORIDI, 2015), publicação resultante do projeto, onde se defende o fim da distinção entre o offline e o online, concluiu-se que as TD e as redes de comunicação não podem ser encaradas como meras ferramentas, instrumento, recurso, apoio, mas forças ambientais que, cada vez mais, afetam a nossa auto-conceção (quem somos), as nossas interações (como socializamos), como ensinamos e como aprendemos, enfim, a nossa concepção de realidade e as nossas interações com a realidade. Sendo que, em cada um dos casos, as TD possuem significado em termos éticos, legais e políticos provocando o enfraquecimento da distinção entre realidade e virtualidade; o enfraquecimento da distinção entre humano, máquina e natureza; a reversão de uma situação de escassez para abundância de informação; e a passagem da primazia das propriedades, individualidades e relações binárias para a primazia das conectividades, processos e redes.
A compreensão dessa realidade hiperconectada (FIORIDI, 2015), referida no parágrafo anterior, resultante da hibridização do mundo biológico, do mundo físico e do mundo digital, exige um repensar das epistemologias e teorias, as quais não conseguem abranger a sua complexidade, uma vez que limitam o agir apenas aos humanos, numa visão antropocêntrica do mundo. Essa visão antropocêntrica é evidenciada tanto pela abordagem do USO, compreendendo as TD enquanto ferramenta, recurso, apoio, a serem usadas pelo humano (utilizador/consumidor), gerando assim, uma consciência ingénua sobre o mundo que habita (PINTO, 2005); quanto pela abordagem da APROPRIAÇÃO, que compreende as TD enquanto Tecnologias da Inteligência e, o humano como produtor, numa perspetiva do empowerment e de desenvolvimento de uma consciência crítica sobre o mundo que habita (SCHLEMMER, 2020). Essa segunda abordagem, embora pareça indicar uma abertura, numa perspetiva ecológica, ao referir as tecnologias da inteligência, centra-se novamente no humano, com o conceito de inteligência coletiva (LÉVY, 2003), o qual atua sobre o mundo que o serve. Portanto, não dá conta das relações ecossistémicas, possibilitadas pelo ato conectivo, o qual pode conectar as biodiversidades e as inteligências dos dados, produzindo, uma ecologia inteligente na qual os humanos são um dos membros, nem o centro e nem a periferia (DI FELICE, 2017).
Nesse contexto, para além de uma teoria da ação, Di Felice (2017), propõe o ato conectivo, produzido pelas interações ecossistémicas de um conjunto de diversos actantes e interagentes, humanos e não humanos (atores-redes), os quais ao entrarem em relação de conectividade, expressam a dimensão impermanente e criadora.
Essa nova
compreensão possibilita pensar/desenhar diferentes contextos investigativos, de
desenvolvimento e formação, os quais instigam a inventividade no âmbito do
ensinar e o aprender, enquanto percursos que se co-engendram num habitar e
co-habitar cada vez mais atópico, em contextos híbridos. Isso amplia,
significativamente, a nossa condição habitativa, não mais vinculada somente aos
espaços geográficos, mas também aos espaços digitais em rede, constituída pelo
ato conectivo transorgânico, que liga inteligências diversas. Dessa forma, temos
territórios informacionais comunicacionais, interacionais que modificam a nossa
perceção de tempo, espaço, presença, dentre outros. Assim, é possível
compreender a transformação digital enquanto deslocamento disruptivo num
espaço-tempo de interações ecossistémicas de inovação.
É nesta visão
disruptiva que deve assentar a atual sociedade de educação digital e em rede que
agora emerge de forma global. As necessárias mudanças organizacionais são muitas
vezes difíceis, e surgem em contextos dolorosos, como é o caso, e implicam
enormes desafios institucionais, pessoais e coletivos de adaptação, de mudança e
de flexibilidade e inovação.
Este cenário
exige, pois, que após este período de emergência mundial, se pense em criar e
desenvolver mais estruturas que respondam a estas mudanças e às necessidades da
formação docente e de educação ao longo da vida, que realcem a realidade
multifacetada, multidimensional, multidisciplinar e multicultural, assim como a
articulação de saberes que se exige aos atuais professores/formadores,
integrados nesta sociedade digital em rede.
Com efeito, a
mudança de paradigma e de filosofia educacional, para uma educação digital em
rede, exige uma política ativa de formação docente, de apropriação digital, para
propiciar metodologias e práticas pedagógicas de qualidade, por meio de
programas de formação/qualificação com TD conectivas, nos quais cada um pode se
transformar num co-produtor, contribuindo para fazer emergir novas ecologias
educacionais.
Sendo a
educação digital em rede, um processo que se caracteriza pela conectividade,
rapidez, fluidez, apropriação de recursos abertos e de mídias sociais é
necessário desencadear processos educativos destinados a melhorar e a
desenvolver a qualidade profissional dos professores que, claramente, neste
momento, foram apanhados de surpresa. É preciso que tenhamos consciência, o que
significa sentir e responder ao mundo com conhecimento.
É no quadro dessas necessidades ao nível da Docência OnLIFE, que podemos contribuir, criando programas de formação e de capacitação para todos os agentes educativos direcionados para o desenvolvimento de projetos de formação e educação digital que não se reduzam ao conceito do online, mas que abram caminhos para uma educação digital onlife.
Para um novo
paradigma de EDUCAÇÃO DIGITAL ONLIFE!! (EducDigOnlife).
Referências Bibliográficas
Di Felice, M.
(2017) Net-ativismo: da ação social para o ato conectivo.
São Paulo: Paulus.
Floridi, L. (2015). The Onlife Manifesto: Being Human in a Hyperconnected Era.
LondoN: Springer.
Lévy, P.
(2003). A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 4. ed. São
Paulo: Loyola.
Pinto, A.V.
(2005). O Conceito de Tecnologia. II vol. Rio de Janeiro: Contraponto.
Schlemmer, E. (2020) ECOSSISTEMA DE INOVAÇÃO NA EDUCAÇÃO em Contextos de Transformação Digital.
VI Conferência Ibérica de Inovação na Educação com TIC (ieTIC2020).
Ponta Delgada – Açores. (palestra).
Agradecemos, desde já, a sua opinião sobre este número - ozarfaxinars@gmail.com
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